Capítulo 1

 

Dezoito horas antes…

Jack

Riley fugiu para a terra dos sonhos horas atrás e agora está aninhada em meu peito, babando na minha camisa. O calor do fogo que vem do fogão é tão calmante e atraente que meus olhos se fecham algumas vezes também. Mas eu me recuso a cochilar, mesmo que a pele de urso pardo que nos envolve seja bem aconchegante. Em vez disso, repasso mentalmente aquele dia com ela na Floresta das Mil Alvoradas — em especial as partes que construímos a hilária armadilha de príncipe e brincamos no palheiro atrás do moinho. Gosto muito de ouvir sua respiração suave, mais do que deveria. É calmante. Tranquilizador.

E enganador.

É tão fácil fingir que Chapeuzinho Vermelho e o grande Lobo Mau têm uma chance real de amor… do jeito que somos.

Riley não vê isso acontecendo. Não porque ela não gosta de mim. Ah, sei que gosta. Provou isso várias vezes nos últimos dias, como quando passou a noite sentada comigo na masmorra de Phillip ou me levou para caçar na floresta depois. No momento em que voltei a ser eu mesmo, na casa de sua avó, ela estava em meus braços. E nunca teve algo melhor do que aquilo.

Mas para a pequena senhorita Chapeuzinho Vermelho se apaixonar, é preciso um príncipe — pelo menos é o que vive me dizendo. Romance só acontece entre a realeza. Sua análise das histórias de amor aqui no País das Fadas não permite qualquer outra conclusão. Todo conto de fadas romântico tem um príncipe ou uma princesa. Já que Riley e eu não somos nenhum dos dois, não podemos ter um doce “para sempre” juntos. Para ela, sou apenas o cara que sempre come sua avó no fim da história.

E, francamente, sou mesmo. Ou… era. Tantos anos, tantas vezes repetindo a mesma história sem parar… E nunca vi quem realmente ela é. Nunca soube que espírito engraçado, aventureiro e doce tem sob aquela capa vermelha. Ela não é mais apenas a personagem que quero comer por algumas horas, todos os dias, enquanto estamos atuando. Agora, Riley é a garota que significa o mundo para mim.

Não quero perdê-la para outra pessoa. Não quero abrir mão do meu lugar em nosso conto. Nós pertencemos um ao outro — sempre foi assim e sempre será. Se tiver que me transformar em um príncipe para fazê-la entender isso, então, no final do arco-íris, eu o farei.

Durante toda a semana passada, ela fez planos para o seu “feliz para sempre”.

Ontem à noite, fiz o meu.

Ao amanhecer, levanto-a com cuidado de cima de mim e a coloco na pele de urso. Ela se mexe e fico tenso, como seu arco quando é puxado. Se Riley acordar agora, seu olhar suplicante quando me implorar para ficar e acompanhá-la ao baile vai me prender. No entanto, o suspiro profundo que solta alguns segundos depois garante minha fuga despercebida.

A capa ainda está pendurada na cadeira perto do fogo, onde eu a coloquei quando entramos ontem. Estava encharcada com a chuva que nos pegou desprevenidos enquanto vigiávamos a armadilha de príncipe. O fogo crepitante fez com que secasse durante a noite e, agora, parece maravilhosamente quente quando eu a pego e, com cuidado, coloco-a sobre ela. Riley se aninha a ela com uma expressão terna. Em vez da minha camiseta, ela está babando na pele de urso agora. Com um sorriso, afasto uma mecha castanha sedosa de seu rosto.

Então me levanto, ando até a frente da cabana e abro a porta. Uma espessa manta de névoa cinza silenciosamente se arrasta ao redor da casa e traz uma brisa fria para o cômodo. Lanço um olhar para Riley no chão. Ela não parece sentir frio. Seus olhos ainda estão fechados; sua expressão, pacífica. A visão desperta algo dentro de mim. Talvez eu não devesse sair sem dizer uma palavra? Mas mesmo que não possa contar a ela sobre o meu plano, posso, pelo menos, dizer adeus e dar uma desculpa pelo meu desaparecimento.

Silenciosamente, fecho a porta e começo a procurar nas gavetas algo para escrever uma mensagem. Na sala de estar, encontro um bloco de notas e várias canetas em um baú inclinado e me sento à mesa para rabiscar algumas palavras.

Cara Riley,

Preciso sair em uma missão fora da cidade, que não pode esperar. Estarei de volta em alguns dias. Mas você terá que me contar tudo sobre o baile.

Boa sorte com a caça ao príncipe!

Em caligrafia rebuscada, assino o meu nome e deixo o bilhete na mesa para ela. Os pés traidores da cadeira arranham no chão quando a empurro para trás e me levanto.

— Jack?

Inspirando com força ao ouvir a voz suave, congelo no local. Nada mais se segue. Quando me viro, seus olhos ainda estão fechados. Riley não acordou de verdade, apenas murmurou meu nome em seu sono. Tomara que seja um sonho bom. Talvez um sobre nós mergulhando em palheiros novamente.

Olho para ela por outro longo momento. Parte de mim deseja acordá-la e dizer “adeus” antes de sair, mas é melhor assim. Mais fácil. Sou péssimo para encontrar desculpas.

O que faço, no entanto, é adicionar outra linha à carta:

P.S.: Desculpe por não ter te acordado, mas você parecia extremamente adorável babando na pele de urso.

Então, saio de forma sorrateira pela porta, me transformo em Lobo e começo a correr pela manhã enevoada.

Minha primeira parada é a armadilha. Se um príncipe realmente — por mais ridícula que seja a ideia — estiver dormindo naquela cama de travesseiros, terei que comê-lo ou assustá-lo pra caralho, para que nunca mais ponha os pés na Floresta das Mil Alvoradas. Chapeuzinho Vermelho não vai cavalgar ao pôr do sol com algum maldito nobre.

Um ronco à frente faz minha raiva surgir. Mas que diabos? Será que tem mesmo…? Erguendo o focinho, eu farejo. Não, não é da realeza. Sangue azul sempre tem uma nota característica de papel envelhecido, que não consigo detectar agora. Mas se não um príncipe, quem?

A curiosidade me faz chegar mais perto, até sentir o cheiro de algo bem diferente. Nem preciso me esgueirar até a armadilha para saber o que é. Um anão. O café da manhã foi cancelado.

Rindo por dentro, balanço a cabeça. Riley terá uma surpresa quando vier verificar mais tarde. Droga, gostaria de poder ficar e assistir ao espetáculo, mas tenho outros planos. Mais importantes.

Deixando o homem baixinho no local onde está dormindo, pois tenho certeza de que não oferece perigo, corro para fora da floresta, na direção da cidade. Alguns dos madrugadores cruzando meu caminho — provavelmente indo para a padaria — pulam apavorados. Com os olhos arregalados, eles pressionam as costas contra a parede do salão de beleza Cachos Dourados e me deixam passar. Às vezes, minha reputação é útil.

Apenas quando entro na Praça do Pote de Mel é que me transformo em mim mesmo e subo as escadas do prédio de dois andares. Um leitor de impressão digital permite que eu entre em meu apartamento. Pedi a Bob, o Construtor, que mudasse a fechadura um tempo atrás, quando o Gato e a Raposa invadiram a oficina de Geppetto duas vezes em um mês.

Depois de uma noite na casa apertada e aconchegante de Riley, entrar em meu apartamento escassamente mobiliado é como entrar em uma caverna nua. O par de prateleiras presa às paredes brancas não contém itens extravagantes. Na verdade, elas apenas servem para acumular poeira. Os lençóis escuros da cama com armação cromada não parecem mais convidativos, e a cozinha simples, com seus armários de fachada azul, não é abastecida com comida há séculos. O pub fica logo na esquina e nunca fui apaixonado por culinária.

Tomo um banho rápido no pequeno banheiro e, em seguida, coloco a calça de couro preto. Ela deve servir para o meu plano. Espero que Phillip possa providenciar o resto, já que o seu closet é enorme em comparação ao meu. Vestindo um moletom preto, por enquanto, saio do apartamento e corro pela floresta com quatro patas de novo, porque é o modo mais rápido de chegar ao castelo do meu melhor amigo.

Desta vez, evito deliberadamente o caminho da casa de Riley para a armadilha. Ela já deve ter saído.

De volta à forma humana, cruzo a ponte de pedra até o portão do castelo e uso a aldrava gigante na forma de uma rosa com uma argola. O velho mordomo de Phillip e Aurora, Edgar, abre e me dá as boas-vindas com suas sobrancelhas cinzentas parecidas com ervas daninhas em uma carranca condescendente. Como de costume, seu cabelo branco está trançado nas costas.

— Mestre Jack. Que visita inesperada a esta hora do dia. — Seu nariz enruga enquanto inspeciona a minha roupa. Em seu próprio jeito assustador, ele quase me diz para virar e voltar mais tarde, talvez depois de engolir suas pílulas da felicidade do dia.

Teria sido muito mais fácil superar esse ponto se Phil tivesse aberto a porta, ou mesmo Aurora. Mas provavelmente é muito cedo para esperar algum deles fora da cama.

— Eddie, meu velho! — Bato no ombro do criado rígido e passo por ele com um sorriso. No saguão de entrada, espero enquanto fecha a porta e, em seguida, limpa uma partícula de poeira inexistente de seu fraque preto, exatamente onde eu acabei de tocá-lo. Reviro os olhos. — Você poderia tirar Phillip da cama, por favor? É uma emergência.

— O príncipe e sua esposa já estão de pé há um tempo — informa, abrindo caminho para as grandes escadas. Uma vez lá, ele se vira e me congela no local com apenas um olhar.

Um sorriso aparece no meu rosto em resposta enquanto inocentemente aperto as mãos atrás das costas, balançando nos calcanhares. — Quer saber? Acho que vou apenas esperar aqui.

O arco de sua sobrancelha direita me diz onde posso enfiar o meu humor. Droga, ninguém no País das Fadas fala com clareza e sem palavras como este mordomo pestilento. Por que Phil e Aurora o mantêm no cargo está além da minha compreensão.

Edgar sobe as escadas com o andar mais lento de todos os tempos. Sem dúvida, está fazendo isso de propósito. Não temos sido calorosos um com o outro desde o início e nunca escondemos isso. Acredito que o mordomo não conheça uma temperatura acima de zero, na verdade. Mas posso ter despencado na escala de estima no dia em que viu sua sobrinha Maria saindo de meu apartamento. Sim, reputação nem sempre é útil.

Mas gostaria que houvesse uma maneira de fazê-lo subir mais rápido a escada. Nessa velocidade, ainda estarei esperando aqui ao meio-dia. Entediado, deixo meu olhar percorrer o local. Em uma arca folheada a ouro ao meu lado, há uma foto de Phil com sua Aurora sob uma árvore. Um vaso com rosas cor-de-rosa foi colocado ao lado dele, e um móbile de lua e várias estrelas de prata, que estão penduradas por cordas invisíveis em uma cruz de aço inoxidável, balança frouxamente em um suporte. Depois de uma breve olhada em Edgar para ter certeza de que está de costas para mim, cutuco a lua e, em seguida, dou um empurrão suave em toda a cruz para que gire na ponta pontiaguda.

— Prefiro que você não toque nisso. — A voz mal-humorada do mordomo vem das escadas.

Meu olhar se volta para ele, que ainda está subindo, a mão no corrimão… voltado para frente. Merda! Como faz isso? Juro que a coisa não fez barulho e não parece que ele se virou.

Apertando os lábios em aborrecimento, vou até o último degrau e espero como um bom menino.

— Jack! — O grito de preocupação de Phil e os passos apressados ​​na escada atrás de mim, alguns minutos depois, me fazem levantar de repente. Ele diminui a velocidade quando vê meu rosto de relance. — Oh, que bom! Você parece… você mesmo. — Ele ajusta a camisa vermelha favorita, que cai casualmente sobre a calça jeans. — Quando Edgar disse que havia um problema de lobo aqui embaixo, pensei que deveria colocá-lo na masmorra novamente.

Ergo uma sobrancelha.

— Veja só, seu mordomo é abençoado com o charme de uma harpia.

Phillip ri.

— Não trepe com a sobrinha dele, e Edgar pode ser um pouco mais legal com você.

— Não coloco um dedo nela há anos. — O tom frio desaparece quando meu melhor amigo chega ao fim da escada. — Feliz aniversário, amigão. — Eu o puxo para um abraço fraternal rápido e, em seguida, lanço-lhe um olhar sincero novamente. — De qualquer forma, nunca mais vou tocar em outra garota além de Riley se meu plano de romance com ela der certo. E, portanto, preciso da sua ajuda.

Phil me encara por cinco segundos, estupefato, antes de balançar a cabeça e estreitar os olhos.

— Há muitas informações confusas nessa frase. — Agarra meu braço e me arrasta pela sala. — Vamos tomar café da manhã primeiro.

Ele fecha as portas de correr, garantindo-nos um pouco de privacidade na sala dominada por vários sofás estofados em amarelo e cadeiras agrupadas em torno de uma mesa de centro, em frente a um bar com moldura dourada. A parede do outro lado é decorada com uma variedade de armas — espadas, floretes, bestas, qualquer coisa que o coração de um jovem possa desejar. Uma mesa de bilhar ao fundo da sala dá o toque final, e as janelas do chão ao teto oferecem uma vista maravilhosa dos jardins do palácio.

A escolha de Phil na prateleira não é uma xícara de café, mas uma garrafa de uísque com um rótulo que diz que tem setenta e oito anos. Um aroma fino escapa quando ele tira a tampa e nos serve dois copos, entregando-me um.

— Saúde. — Brindamos, os cubos de gelo balançando no líquido âmbar, e eu tomo um gole. Phillip vira tudo de uma vez. Limpa a boca, larga o copo e passa a mão pelo cabelo. — Agora, o que foi tudo aquilo sobre namorar Riley?

Afundo no sofá nobre, segurando a bebida com as duas mãos entre minhas pernas abertas, observando o gelo nadar. — Ela está completamente obcecada em encontrar um novo “para sempre”.

— Descobri isso da última vez que você veio aqui.

Meu olhar desliza para ele, que está com as costas apoiadas no balcão, tornozelos cruzados e dedos em volta da borda.

— Não posso deixar que isso aconteça. Pertencemos um ao outro. — Com os lábios comprimidos, paro por um longo tempo. — Não quero perdê-la. Ela é tudo o que tenho. — Se alguém consegue entender o que está acontecendo dentro de mim, é o Phil. — Riley é a única para mim.

Um momento se passa em silêncio absoluto. Então, o maldito príncipe joga a cabeça para trás e explode em gargalhadas.

— Jack Wolf está apaixonado.

Com um olhar irônico para ele, levanto meu copo em um brinde.

— Enquanto viver e respirar. — Engulo a bebida.

Quando Phil se recompõe, me olha intrigado.

— E como exatamente posso ajudá-lo?

Colocando o copo vazio na pequena mesa à minha frente, levanto-me e caminho em direção ao bar. Cara a cara com Phillip, digo-lhe de forma solene:

— Preciso que você me transforme em um príncipe.

Suas sobrancelhas estreitam metade em confusão e metade em diversão.

— Cara, não sou o filho perdido da Fada Madrinha.

— Não com magia. — Determinado, coloco as mãos em seus ombros. — Tenho um plano.

Um lobo em seu caminho

Anna Katmore

230 Páginas

YA - Fantasia

Depois de beijar muitos sapos, Riley Redcoat está pronta para sair em uma aventura em direção aos braços do príncipe Jacob da Planície das Neves.

Porém, Jack Wolf descobriu que não podia viver sem sua Chapeuzinho e fica muito preocupado com a decisão de Riley.

Enquanto ela afirma que não vai abrir mão do seu Felizes para Sempre, ele decide acompanhá-la até seu destino final. Mesmo sabendo que ela não vai encontrar o que procura.

Quando as coisas saem de controle, a única coisa que Jack pode fazer é aceitar ser o Lobo Mau e encenar a história de Chapeuzinho Vermelho para sempre.

O lobo está sofrendo de amor e é de cortar o coração.

Venha conhecer o final dessa história que pode ser totalmente diferente daquela que você conhece.

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