Capítulo 1

 

— Preciso buscar o meu filho na escola — digo assim que encerro a chamada.

Na mesma hora, olho para Levi, que parece prestes a explodir. Quando dou as costas para ele, o desgraçado segura o meu braço.

— E eu preciso de você aqui, Moretti. — Seu tom irritado me causa uma raiva instantânea. Na verdade, tudo sobre o novo treinador do São Luís me irrita. — Você teve a pachorra de me dizer que está comprometido com a equipe e, na primeira oportunidade, pula fora?

 O time precisa de você, Moretti. Tenho que saber se realmente vai fazer o impossível para conquistarmos a porra da Copa Sul este ano. Senão, vou procurar alguém que queria a posição.

Ah, sim. A maldita conversa motivacional que tivemos há pouco.

Levi acha que pode salvar o Frade — apelido que a torcida deu ao São Luís Futebol Clube —, mas tenho minhas ressalvas. Não sei se existe alguém capaz de encarar esta missão. Nos últimos anos, parece que todo o nosso esforço tem sido para nada.

Solto o ar devagar, contendo a vontade de mandá-lo sumir da minha frente. Então, quando a minha voz sai, pareço a pessoa mais calma do planeta:

— Olha, Levi, não estou fugindo de nada. E já falei que vou ajudar no que puder. Só preciso buscar o Guilherme mais cedo. E pode parar com o chilique, porque nem vamos treinar mais hoje. — Juro por Deus que usei toda a minha cota de paciência do dia.

— Por que não manda outra pessoa fazer isso? Aqui não é a casa da mãe Joana, para sair e chegar quando quiser. — A resposta soa como se meu filho fosse um grande incômodo e eu, um irresponsável. — Não tem ninguém que cuide desse piá enquanto você trabalha?

Dou uma risadinha. Esse idiota não pode estar falando sério. Respiro fundo, recitando meu mantra dos últimos tempos: “ele não me conhece, não sabe como é a minha vida”.

— Meu filho. Minha responsabilidade — informo, encarando-o. — Se vamos trabalhar juntos, já quero deixar algo bem claro: Guilherme vem acima de tudo. Acho bom se acostumar a isso, treinador.

— Sim, como treinador, sou eu que digo se você tem um trabalho a fazer aqui ou não, atacante — insiste, como se fosse um general e eu, seu soldadinho.

Porra! Isso não vai dar certo. Coço a testa, fazendo uma careta. Ao ver a expressão convencida do novo técnico do Frade, me sinto prestes a explodir.

— Quer saber, Levi? Pare de ratiá e vá se foder! — Viro as costas, mostrando o dedo do meio. Cansei dessa merda.

Quem esse babaca pensa quem é? Levi chegou no time há um mês, colocando o pau na mesa, e acha que todo mundo vai obedecer calado? Faça-me o favor. Confiança é algo que se conquista, uma via de mão dupla, e sei muito bem como trabalhar com a equipe que tenho. Ele apareceu no São Luís agora, enquanto estou aqui há quase oito anos. Mal entrou no ônibus e já quer sentar na janelinha?

Sigo para o estacionamento com a cabeça quente. Além de ter que lidar com esse mala, também tenho que descobrir o motivo do meu filho de dez anos estar espancando a piazada. Guilherme é calmo e responsável. Sempre que fui chamado à escola, era para ser elogiado pelo comportamento dele ou para ser notificado de que se envolveu em algo — como vítima. Agora, de uma hora para outra, ele é o agressor. Fico me perguntando se sua atitude tem a ver com o fato de ter passado o fim de semana na casa dos avós maternos.

Júlia e Vicenzo levam ao pé da letra a ideia de “manter viva a memória de Keyla”, mãe do Guilherme. Fazem isso tão bem que, às vezes, exageram, enchendo a cabeça do piá de coisas desnecessárias que o deixam confuso. Foram eles que o deixaram na escola mais cedo, portanto, não tenho a menor ideia do que pode ter causado a atitude violenta. Acho que a única coisa que tiraria meu filho do prumo é algo sobre a mãe dele. Então, dirijo um pouco acima da velocidade permitida, preocupado com o que a diretora da escola relatou ao telefone.

Entro na escola, ainda vestindo o uniforme de treino, e o zelador me recebe com um sorriso no rosto.

— Moretti, seja bem-vindo! — Cleber está exultante. Sempre que me vê, o torcedor do Frade me recebe com euforia, talvez por ser um evento raro. Normalmente, fico dentro do carro para evitar o assédio das mães desesperadas enquanto espero Guilherme sair. — A dona Jordana está te esperando na sala da direção.

Cumprimento-o e faço o caminho indicado, ignorando o burburinho das pessoas ao redor. No momento, só consigo pensar nas palavras da diretora: “Guilherme deu um soco no colega de classe. Preciso que venha até aqui”.

Massageio a têmpora antes de entrar na secretaria, onde sou recebido pela recepcionista gostosa e toda cheia de sorrisos, como sempre. Ok. Eu até curto essa atenção, mas hoje não tenho tempo para flertes. No corredor da diretoria, avisto o meu filho sentado na cadeira ao lado da porta. Ao me ver, ele se levanta em um pulo, sem esconder a expressão envergonhada do rosto.

— O que aconteceu? — Encaro-o alarmado, procurando à distância se tem algum ferimento. Apresso o passo em sua direção, preocupado com o jeito que o corpo dele curva para frente. — Fala com o pai, Gui.

O garoto não responde. Não abre a boca para dizer nada. Toco seu rosto, erguendo-o, à procura de qualquer sinal de machucado. Aparentemente, não há nada grave, só a mão enfaixada, que me deixa em alerta.

— Filho, conversa comigo. Sabe que vou te escutar de verdade — peço outra vez, mas ele apenas balança a cabeça em negativa.

A diretora aparece antes que Guilherme tenha a chance de me dizer qualquer coisa, e sou obrigado a deixar o assunto de lado. Pelo menos, por enquanto.

— Olá, Rafael. — Balanço a cabeça em cumprimento. — Lamento que tenhamos interrompido seu treino, mas precisamos conversar sobre o que aconteceu — Jordana se desculpa com uma voz calma demais. Em seguida, indica a porta aberta de seu escritório. — Pode me acompanhar, por favor?

— Claro — respondo. Olho mais uma vez para o meu filho, que volta a se sentar no sofá de espera. — Não saia daí, Gui.

— Não vou a lugar nenhum, pai. — Ele dá de ombros. — Aqui, ninguém me deixa fazer nada.

Eu o encaro sem entender o significado da frase. Normalmente, esse garoto não age assim. É mais do que provável que eu seja um pai muito permissivo, mas criar um filho sozinho não é tão fácil quando a maioria das pessoas acredita — ainda mais se tratando de uma criança que cresce sem mãe. Tenho criado o Guilherme como se estivesse tateando no quarto escuro. Às vezes, dou uma topada com o dedinho em algo; outras, encontro o que procuro. Mas nunca desisti.

Só que a diretora, por mais que saiba da história de Guilherme, não tem nada a ver com nossos problemas. Quando nos acomodamos em sua sala, ela começa a explicar a confusão.

— Antes de tudo, preciso dizer que o seu filho é um ótimo aluno, Rafael.

Opa… conheço esse jogo. A velha tática do “morde e assopra”, algo que acho desnecessário. Como capitão do time, quando lido com os meus jogadores, prefiro ir direto ao ponto e evitar rodeios. E se ela escolheu começar com o assopra, é porque a merda foi feia.

— As aulas voltaram há algumas semanas e temos notado uma mudança de comportamento no Guilherme. A professora da turma avisou que, desde o primeiro dia, ele não fez nenhum dever de casa. — Arregalo os olhos. Como assim? E o que ele faz no quarto sempre que diz que vai fazer as tarefas? — Também há uma reclamação de que seu filho anda disperso em sala de aula. — Ela faz uma pausa, como se estudasse a minha reação diante de suas palavras. — Mas você deve se lembrar que esta última questão já vem do fim do ano passado, não é? Tivemos uma reunião quando ele ficou de recuperação. Só que, em vez de melhorar, a situação piorou depois que um novo aluno entrou na turminha do Guilherme.

Assinto, como se soubesse a quem ela se refere. Não quero que a diretora pense que sou um pai relapso. Converso com meu filho, sei da vida dele.

Talvez não o suficiente.

— Entendo… — limito-me a dizer.

— O relacionamento entre os dois começou a desandar na semana passada. Os meninos discutiram várias vezes desde segunda-feira passada. Hoje, no intervalo, começaram uma confusão na cantina, que resultou no Guilherme dando um soco no rosto do João Paulo. — O relato me deixa horrorizado, porém tento manter a compostura para que Jordana não perceba o quanto a informação me afeta.

Meu Deus! O que eu estou fazendo de errado?

Quando decidi ser pai solo, achei que daria conta, mas não imaginei que fosse tão complicado.

— Se eles estavam brigando durante a semana passada inteira, por que só estou sendo informado agora, Jordana? — Encaro-a, um pouco chateado com o possível descaso da escola, tentando entender o motivo para me ocultarem algo tão sério.

— Rafael, temos como política educacional tentar fazer os alunos se entenderem entre eles antes de escalonar a questão. Conversamos com as crianças para que aprendam a resolver seus próprios problemas. — A diretora arruma os óculos, depois, mexe nas pastas sobre a mesa. — Também não queríamos incomodá-lo, pois sabemos que você está passando por um momento de transição no time. Só que hoje a situação ficou insustentável.

Que ótimo! Todo mundo conhece os problemas do São Luís. Nem mesmo a diretora da escola do meu filho escapa das fofocas. Cidade pequena é foda.

— Política da escola ou não, acho que me informar do que estava acontecendo era o mínimo que poderiam ter feito.

Não deveria estar tão chateado, mas tudo o que diz respeito a Guilherme é importante para mim. Saber que esconderam algo, por causa do que acham que está acontecendo no meu trabalho, me deixa bastante irritado.

— Entendo a sua posição, Rafael. Peço desculpas pela falta de comunicação. Acreditamos que os dois meninos conseguirão se entender.

— Como ele está?

— Bom, Guilherme teve uns arranhões na mão direita — a mulher explica, um pouco nervosa. — A Rosana, enfermeira da escola, limpou e colocou um curativo.

— Não estou falando do meu filho. — Uso um tom impaciente. — Me refiro ao outro garoto.

— Ah, o João Paulo. Sim… ele está… bem. — Jordana hesita por um momento. — A mãe dele é nossa funcionária. Trabalha como bibliotecária, por isso, já conversamos com a Celina.

— Certo. Espero que o moleque fique bem mesmo. — Passo a mão pelo cabelo, a frustração me consumindo. — Tem alguma coisa que eu possa fazer para reparar a atitude do Guilherme? — pergunto, sem jeito, porque odeio a sensação que vem depois que a raiva se dissipa: a de que sou um péssimo pai.

Já fui um responsável bem irresponsável. Aprendi com meus erros. Agora, faço qualquer coisa pelo garoto, desde agradar, até castigar quando necessário.

— Já que perguntou, há algo que gostaria que pensasse a respeito. — Jordana me encara com um sorrisinho no rosto. — Acho que as coisas podem melhorar se o seu filho e o João Paulo passarem um tempo juntos, para se conhecerem melhor. Talvez possam até virar amigos.

— Sei… O problema é que não tenho muito tempo livre, Jordana, como deve presumir — explico, contrapondo a ideia.

— Veja bem, Rafael, os dois vão estudar juntos o ano inteiro e não queremos que as situações voltem a se repetir. Você sabe que só temos uma turma do quinto ano, por isso, eles têm que aprender a conviver. — Jordana entrelaça os dedos e ri, como se esta realmente fosse a solução do problema.

Em certos momentos, acho que a mulher é louca. Como colocá-los juntos pode criar amizade em vez de mais brigas e socos?

— Está sugerindo que eu convide esse piá para passear comigo e com meu filho nos poucos momentos que temos a sós? — Estreito os olhos, querendo que ela confirme a ideia maluca.

— Talvez… — Puta que pariu! — Ah, Rafael, pense bem. Vocês dois são muito solitários, além de Guilherme ter poucos amigos. Acho que isso faria bem ao garoto. Não quer que o seu filho faça novas amizades?

— Não somos solitários. Só gostamos de ficar juntos. Mas entendo o motivo da proposta. Novos amigos fariam bem ao meu filho — assinto. Lá no fundo, bem no fundo, acho que é uma péssima ideia. Respirando pausadamente, já sei que vou aceitar essa maluquice. Afinal, se a expert em crianças está dizendo… — Como consigo falar com os pais do garoto? Você disse que a mãe dele trabalha aqui, certo? Pode chamá-la?

— Admiro a sua vontade de resolver logo a situação. Infelizmente, ela já foi para casa. Posso falar com a Celina amanhã e, se ela permitir, te passo o contato. Assim, vocês conversam.

— E o pai dele?

— O Carlos Fernando é muito ocupado, creio que não irá se envolver neste assunto — explica, se levantando e encostando na mesa. — Tenho certeza de que você e Celina vão tirar de letra a intriga que os dois rapazinhos estão criando.

— Espero que sim. — Cansado de ser manipulado por essa mulher pequena e sacana, também me levanto. — Terminamos aqui?

Ela balança a cabeça em afirmativa, me estendendo a mão para um aperto.

— Não seja tão duro com o Guilherme.

— Não se preocupe, diretora. Como pai, sei o jeito certo de lidar com ele — garanto ao nos despedirmos.

Agora, resta saber se a mãe do outro menino também consegue controlar o filho. Duvido muito que Guilherme seja o único culpado nessa história e que tenha tomado uma atitude assim, a troco de nada. Conheço o Gui e essa patacoada me parece mal contada.

******************

Enquanto trocamos passes no gramado do quintal, Guilherme mantém o silêncio que se estende desde a escola. O percurso para casa pareceu um velório. Estou tentando fazer com que ele se abra, mas o piá não dá brecha.

Por mais que alguns pais prefiram ir direto para o castigo, gosto de conversar com o meu filho antes de tomar qualquer decisão. A casa dos Moretti tem suas próprias regras: somos pai e filho, mas também amigos.

— Então, vai me contar o que aconteceu na escola? — ataco o muro de silêncio quando devolve a bola para mim.

— Não foi nada. — Ah… o marcador não entrou no meu jogo. Sorrio convencido. Guilherme avança na minha direção, atento aos movimentos dos meus pés.

— Está me dizendo que surtou por nada? Quer que eu acredite nisso? — Arqueio a sobrancelha. — Gui, eu te conheço desde que nasceu.

Ele imita meu gesto e levanta a sobrancelha também. O piá está cada dia mais parecido comigo, mesmo que os traços do rosto sejam mais semelhantes aos da mãe.

 , não desde que nasceu… Mas você entendeu, fedelho.

 Hu-hum. — Ele estica a perna, tentando alcançar a bola. Com um jogo de corpo, dou a volta nele. — Não quero falar sobre o que aconteceu, pai. — Gui consegue dominar a bola sem muito esforço. Parece que ele ganhou essa, por isso, decido não insistir. Hora de tentar uma infiltração diferente.

 Ok, então vamos conversar sobre o motivo de você estar disperso nas aulas. — Ele mantém a cabeça abaixada, os olhos nos pés e na bola. Guilherme precisa aprender que jogar de cabeça erguida é fundamental para saber o que fazer na hora do passe.

— Também não. — Dá de ombros, tocando a bola para um lado, enquanto passa pelo outro. O moleque acabou de me dar um elástico? Ah, isso não vai ficar assim.

Hmpf, a paternidade e suas maravilhas… Corro atrás dele, pronto para mostrar quem é o craque nesta casa. Mamãe diz que Guilherme é a minha versão 2.0, mas tenho sérias dúvidas. Apesar de ter passado por uma ou duas fases rebeldes — que colocaram toda a minha carreira em jogo —, não me recordo de ser tão teimoso. Espero que, mesmo sendo parecido comigo, meu filho não cometa os mesmos erros que eu.

— Beleza, respeito o seu posicionamento. Por enquanto. — Melhor deixar claro que quem manda aqui ainda sou eu. — Só que logo vamos voltar ao assunto, Gui. Não dá para correr pela lateral do campo para sempre. Em algum momento, vai ter que trazer a bola pro meio e invadir a área para encarar o gol — digo ao me aproximar. — Você só está esquecendo de uma coisa, piá. Enquanto corre na lateral, não pode evitar o juiz de linha e o que ele decidir.

— O quê? — Ele arruma os cachos rebeldes, que caem sobre os olhos. Assim como os meus, eles não são possíveis de domar ou arrumar. Sorrio.

— O bandeirinha também tem poder de marcar as consequências das suas atitudes em campo. E a de hoje foi bem impensada e impulsiva.

Com a cara de tacho que faz, tomo a bola da frente dele, tão rápido que Gui emite um grunhido baixo. Para dar o troco pelo elástico, levo a bola para perto dos calcanhares. Quando ele se aproxima, pulo, levantando a bola por trás do meu corpo até que faça um arco por cima de mim e dele. Corro pela direita e retomo o controle da pelota, matando no peito.

Pronto, dei uma carretilha para ver se ele aprende.

— Vou convidar o piá e os pais para um churrasco no próximo sábado. Quero conhecê-los, e você vai aproveitar e se desculpar com o João Pedro.

— João Paulo, pai. — Ele revira os olhos. Os dedos da mão esquerda se movem de maneira estranha. Sei que o que ele está fazendo: pensando em como fiz a carretilha. Eu tenho o mesmo tique.

— Tanto faz. Vai se desculpar por ter socado o moleque, independente do motivo. — Descanso o pé sobre a bola, esperando que ele aceite a ordem antes de voltarmos à disputa. Meu filho faz uma careta desgostosa e abre a boca para argumentar. — Isso não está aberto à discussão, Gui.

Ele assente e, no minuto seguinte, já está com a bola de volta nos pés, correndo para longe. Safado.

Guilherme sempre foi muito bom no futebol. Tanto que, até o ano passado, ele treinava na escolinha de futebol do Frade. É lógico que a paixão pelo futebol está em seu DNA. Que culpa ele tem de ter um pai que foi a grande promessa do futebol brasileiro, vendido como o jogador mais caro no ano que se transferiu para um dos melhores times europeus? Tudo bem que esse mesmo cara acabou jogando no lixo a oportunidade. O moleque não tem culpa. Tem talento.

Por mais que tente, nunca vou esquecer da minha foto estampada nos maiores jornais esportivos da época, no dia antes da grande final europeia — que teria me consagrado o melhor jogador da temporada. Eu podia ter concorrido à Bola de Ouro, se não tivesse feito merda. Perdi muito mais do que a possível vitória para o time e um prêmio de melhor do mundo: meu contrato foi cancelado e todas as portas do continente bateram na minha cara. Fui obrigado lamber a enorme ferida no meu ego em São Luís, minha cidade natal.

Só que não posso ficar concentrado no passado. Preciso olhar para frente, para o meu filho e o meu futuro. Guilherme está me dando uma canseira, tentando repetir o drible que apliquei nele. Ainda não consegue, mas está quase lá.

Ele conhece a minha história vergonhosa, porque nunca fiz questão de esconder os erros que cometi. Sempre deixei claro que, às vezes, as pessoas precisam tomar uma goleada da vida para aprender a dar valor ao que têm.

— Gui, já chega! — ofego, descansando as mãos nos joelhos, em um gesto puramente teatral. —  moído depois do treino de hoje.

— Sério? Só isso? E como vai jogar 90 minutos? É assim que pretende ganhar a Copa Sul, pai? — o insolente retruca. — Já teve dias melhores, meu velho.

Meu velho? Meu velho?!

 Vou dar um baile nesse moleque para mostrar quem está velho!

— Você tem toda razão, piá. —  Avanço, tirando a bola de perto dele sem esforço algum. — Mas um moleque que mal saiu dos cueiros não é páreo para o velho aqui. — Faço algumas embaixadinhas, matando a bola no peito antes de colocá-la no chão. — É como dizem por aí: quem foi rei nunca perde a majestade.

— Isso é trapaça! — meu filho resmunga, chateado.

— Quem liga? — Pisco para o garoto. — Por hoje já deu. Agora, vá tomar um banho, enquanto preparo o jantar. — Ele faz uma careta estranha.

— Pai, será que a gente não pode pedir um hambúrguer com fritas? — Guilherme me olha suplicante. — Sei que é início da semana, mas não aguento mais comer batata-doce, peito de frango grelhado, salada e aquele suco verde horrendo em todas as refeições. A gente podia escolher um dia da semana para jantar alguma coisa diferente.

— Olha o respeito com a comida que preparo! Na tua idade, não tinha isso de escolher o que comer não. A gente tinha que agradecer o que seus avós colocavam na mesa, mesmo que não gostássemos. — Brinco com a bola nos pés. — Além disso, se quer ser um bom atleta, precisa entender que essas porcarias de fast food acabam com o seu condicionamento físico.

— Mas agora que parei a escolinha, não preciso de tanto condicionamento. Só volto para o futebol depois das férias de julho. — Suspira num muxoxo.

Levo a mão ao queixo, pensando no argumento. Em dezembro, o piá enfiou na cabeça que daria um tempo do esporte. Aceitei, achando que, em seis meses, ele conseguiria decidir se era isso o que realmente queria. Tenho certeza de que, no fim das contas, ele vai acabar voltando.

— Sou só uma criança, pai — insiste de novo. Nós já tivemos essa conversa algumas vezes, porém nunca mudamos o resultado dela. Guilherme parece se lembrar disso e revira os olhos.

 Agora você é só uma criança? — Arqueio ambas as sobrancelhas, de um jeito bem debochado. — Até onde me consta, piá, crianças não saem por aí dando socos nos colegas.

 Argh!  bom! Não vai acontecer de novo — garante, frustrado, cruzando os braços sobre o peito. Guilherme assume a posição que chamo de “ego ferido”. Amo demais esse moleque, sou um pai coruja com orgulho.

— Espero mesmo que não. Agora, vá tomar um banho, está fedendo que nem um gambá. — Divertido, dou uma piscadela.

Guilherme deixa os ombros caírem, sabendo que foi derrotado no campo e no argumento. Assim que ele entra em casa, tiro o celular do bolso, vendo a mensagem da diretora com o número dos pais do piá socado. Até que ela conseguiu o consentimento da mulher bem rápido. Abro o aplicativo de mensagens, procuro o nome da mãe do João Pedro, João Paulo, sei lá…

Boa noite, sou Rafael Moretti, o pai do Guilherme. Nossos filhos estudam na mesma turma e parecem ter algum tipo de atrito. A diretora sugeriu que precisam passar um tempo juntos para resolver as diferenças. Por isso, sua família virá para um churrasco no sábado, aqui em casa, às 11h. Ah, se vocês quiserem beber, tragam a própria cerveja.[MM1] 

Apaixonado no 1º Tempo

Crys Carvalho

320 Páginas

Recomendado para maiores de 18 anos

Rafael Moretti tinha tudo… até não ter mais nada.
Todos os olhares estão voltados para o capitão do São Luís durante a Copa Sul. O problema é que, agora, há um novo técnico para comandar a equipe — e ele nunca odiou tanto uma pessoa quanto Levi Schmidt.
Como pai-solo, a vida fora dos gramados também não está fácil: seu filho começou a se envolver em brigas na escola. Disposto a conversar com a mãe do arqui-inimigo da criança para entender o problema, acaba encontrando uma mulher linda, inteligente e sensual, que faz seu sangue ferver.
Celina é uma fera e está determinada a se defender das investidas do atacante. Ele é marrento, envolvido em escândalos e capaz de fazê-la se apaixonar ainda no 1° tempo.

Para vencer a Copa Sul, o São Luís Futebol Clube resolveu arriscar tudo. Com um novo técnico liderando a equipe, mudanças drásticas estão prestes a acontecer. Levi Schmidt fará os ajustes necessários, exigirá muito empenho e colocará seus jogadores para suarem a camisa como nunca antes.
O time tem uma nova chance para entrar na elite do futebol brasileiro, e seus cinco principais jogadores vão deixar o coração em campo para fazer o sonho se tornar realidade.

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